6.11.11

"É preciso ter tristeza. Tristeza não é ruim. Quase todo mundo só quer escutar musiquinhas alegres, ir dançar em lugares barulhentos, ficar falando o tempo inteiro. Porque eles tem medo da tristeza. Mas não é a tristeza que mata."

(Fernanda Young)

22.1.11

Maria Taylor


Maria Taylor é uma cantora americana natural de birmingham, alabama e ficou conhecida por integrar a banda/dupla azure ray. Maria está na ativa desde 2000, mas, como tudo o que é bom, levou um certo tempo para ganhar destaque. As suas músicas estão presentes em diversas séries americanas, seguindo um estilo mais leve e alternativo.

Além de tocar piano e violão, ela possui um vocal suave e um tanto quanto nostálgico, característica presente desde o início de sua carreira.

Assistam o clipe "Time Lapse Lifeline" e preparem-se para lembrar (com muitas saudades) dos amigos - tanto os presentes quanto aqueles que ficaram pelo caminho - e daquele tempo em que tudo era muito simples, quando relacionar-se era bem mais fácil.


8.10.10

A Moça Tecelã


Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


Marina Colasanti

25.7.10

Julgamentos à Parte


Todos nós julgamos e isso não há como negar. Praticamente nascemos com o dedo em riste para o doutor.

Os contos, desde muito cedo, já nos situavam sobre quem era bonzinho e quem era malvado. Ninguém nunca nos explicou, por exemplo, que o lobo mal só é cruel e articulador daquele jeito, porque precisa se alimentar, tal qual os 'bonzinhos'. Ele não destrói a casa dos porquinhos, nem se veste de vovozinha para se dar bem no sexo ou fugir de uma dívida. Ele é um predador e age de acordo com o que se espera. Só muito depois, a biologia nos revela isso, mas tarde demais: já botamos o lobo pra correr faz tempo. Aos defensores dos mais fracos, recomenda-se cuidado. Tem muita presa covarde à solta.

A princípio, o nosso julgamento parte muito disso mesmo. Do óbvio, do visual, do palpável: se fulano parece meio triste, solitário... ou foi traído ou não tem alguém. Se chega no trabalho com aquela cara de ontem... festejou a noite inteira! Se chega em casa tarde... estava aprontando alguma. Se fica sentado de pernas abertas (ou cruzadas)... está sugerindo sexo. Se fala pouco... falta conteúdo. Se acorda tarde... é desocupado.

Olhando mais a fundo, percebemos que: muitas vezes estar sozinho é uma opção (e das boas!), que a felicidade nessa vida não depende do outro, que acontece de cara de sono ser resultado de noite mal dormida, de cama fria. Esquecemos que somos tantos outros em nossa própria singularidade, que às vezes falta sexo e sobra leitura na vida de pessoas muito bem-humoradas, que falta tudo por fora e que, no entanto, por dentro, estamos vibrando com poucas conquistas. Ah, e quase esqueço... incautos, não notamos que os venenos mais letais vêm das cores mais fortes e alegres.

Não sabemos nada sobre nada. Nada sobre nós mesmos, nada sobre o outro, nada sobre o dia seguinte, nada sobre a vida. Mas seguimos julgando mesmo assim. Temos os olhos atentos e a língua afiada para tudo, principalmente para o que nos salta aos olhos. O resto descarta-se. Somos catalogados por momentos.

É aí que não apenas nos perdemos em nossos julgamentos, mas perdemos também a oportunidade de conhecer grandes coisas e grandes pessoas.