26.5.09

Carta a Vitorino Nemésio

Assistindo o DVD da Maria Bethânia, me deparo com este verso (lindo por sinal!) da Amália Rodrigues. Achei interessante postar. Aqui vai...

Talvez que o anjo esquecido,
O anjo da poesia,
Se tenha de mim perdido
Sem reparar que o fazia...
Por isso me faltam asas
E me sobejam as penas
De um desejo inalcançado:
Que eu gostava de voar
Até ao anjo perdido
O anjo de mim esquecido,
Que por mim é tão lembrado.
Ai se eu tivesse voado
Aonde queria voar
Não estava agora a rimar
Versos de asas cortadas.
Voava junto de si
Assim fico aonde me vê
Mesmo pregadinha ao chão
Com asas de papelão
E sem entender porquê.
Pois a uns faltam-lhe asas
Mas por ter asas cortadas
Sofrem uns e outros não?
Eu tenho sofrido muito
Nos meus voos ensaiados
Que ao querer sair do chão
Ficam-me os pés agarrados,
...E por falar dos pés
Com versos de pés quebrados
Perdoe lá a quem os fez
Pelo mal dos meus pecados
Só os fiz por timidez
Que tenho em me dirigir
A quem tem por lucidez
Razão para distinguir
O bom e o mau Português.
Assim à minha maneira
Aqui venho responder
Desta forma tão ligeira
Que a sério não pode ser!

Amália Rodrigues

12.5.09

Gravatas e petecas à parte...

Outro dia, conversando com “my real big fella”, cheguei a seguinte conclusão: essa história de maturidade é mesmo bem distorcida. Não dá mais pra saber se o que faz de você uma pessoa madura é realmente o que você é ou o que você tem. Porque hoje em dia, isso é praticamente a mesma coisa – para a maioria das pessoas.

Eu entendo que são inúmeros os fatores que configuram essa (tão sonhada) maturidade. Não é só uma atitude, um valor ou um comportamento. Na verdade, é um grupo de características que nos levam a afirmar isso. Mas eu não consigo entender quando alguém associa a nossa amiga aí apenas a um emprego estável ou a uma vida independente, onde o que interessa é uma conta quitada no final do mês. Então é isso? Ser maduro é não depender de ninguém e pronto?

Não que não seja, mas pra mim, isso é só uma parte. Porque dependendo da sorte e da capacidade de cada pessoa, isso é possível para qualquer um. Você pode estar indo trabalhar, com aquela camisa bem passada, pasta nas mãos e, no entanto, pode parar naquela esquina para comprar uma bala, um chiclete, um pirulito, até mesmo uma puta (no caso de você ter uma esposa em casa). Você depende de alguém? Deve alguma conta? Então, está tudo bem. Você não passa por nenhuma sala de julgamento, é absorção total. Porque maturidade hoje é poder. Nada mais.

Pra falar a verdade, não sei o que acontece com o mundo. Por que, de repente, todos querem ser maduros e mostrar isso? Ninguém enxerga que é impossível seguir tão bem a cartilha a ponto de ter lá, como principal definição: “maduro”. Pra mim, no final, ninguém é maduro de verdade, ou pelo menos por completo. Porque todos os dias, nós amadurecemos mais um pouco. Perdemos de um lado, ganhamos de outro. Pecamos aqui, acertamos ali. Uns menos, outros mais. Mas no fim, todo mundo tenta ser melhor do mesmo jeito. E mesmo assim, somos sempre subjugados, porque é isso que fazemos de melhor: “that’s the world for you”.

Por isso, eu continuo pensando como antes. A melhor maneira de amadurecer é aqui dentro e depois fora. Porque antes de ser rico, é preciso saber o que fazer com a grana. Antes de ter um filho, é preciso ter planejamento. Antes de vender um produto, é preciso analisar a sua funcionalidade, e por aí vai. Porque ser maduro é pensar antes de agir. Por essas e outras, eu – que (confesso) não penso tanto antes de agir e que por tantas vezes me surpreendi (no mal sentido) comigo mesmo – não sou tão maduro quanto gostaria.

Tampouco, apesar de toda bebedeira e pouca tolerância, sou um garoto. Sou o meu próprio extremo quase sempre, porque entre a verdade e a mentira, prefiro transbordar verdade. Prefiro ser verdade, mas calma, hoje eu sei... Também preciso ser mentira.